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sábado, 4 de fevereiro de 2012

Café com Bertrand...



Café com Bertrand...

Acabo de tomar o meu café da manhã, em uma varanda debruçada sobre o 'verde de São Paulo', na companhia ilustre de Sir Bertrand Russell... Nascido 'Arthur William Russell 3º - Conde Russell -, em  Ravenscroft (País de Gales), em 18 de Maio de 1872; e morto em Penrhyndeudraeth (País de Gales), em 2 de Fevereiro de 1970... Russell foi um dos mais influentes pensadores de todos os tempos, matemático, filósofo e lógico, liberal, ativista, critico contumaz da corrida armamentista, da Guerra Fria, da indústria bélica nuclear, da Guerra do Vietnam, e um grande popularizador da filosofia... Russell praticou o seu pensamento, honrou suas palavras e foi respeitado por sua 'Integridade Intelectual'... Russell morreu de gripe aos 98 anos, e 'deus teve compaixão' deste meritoso ateu, que em quase um século de vida, deixou um legado maravilhoso de ceticismo e racionalismo... Tendo sido ainda, laureado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1950, "em reconhecimento aos seus variados e significativos escritos, nos quais ele lutou por ideais humanitários e pela liberdade do pensamento"... Uma distinção especial, ao conjunto de toda a sua obra, e à magnitude de sua HUMANIDADE e ÉTICA... Um reconhecimento do seu exemplo para a posteridade... Russell, honrou a oportunidade de viver, neste hiato da inexistência...

Mas este escrito não é uma obra de ficção, e ainda pratico o ceticismo que aprendi com Russell, de forma que toda forma de 'mediunidade' continua sendo para mim fonte de preocupação neurológica, psiquiátrica ou criminal... De forma que tomei o meu café da manhã na companhia de Russell, como tenho feito ao longo de minha vida, com outros pensamentos imortais... Estive na seleta companhia das idéias de Russell, pousando os meus sedentos olhos em suas inigualáveis palavras, no clássico "A Conquista da Felicidade"... Fico sempre estupefato, quando leio as palavras de um homem que cruzou dois séculos, em um século de vida, mas que continuam absolutamente atuais e jovens... De fato... Não como a falácia da atualidade bíblica por exemplo, um livro repleto de preconceitos, de falso moralismo, cinismo, e chafurdado no lamaçal sombrio do tempo... Não, Russell, sua obra, é eterna... Estará inspirando a outros humanos, muito depois de que o meu 'hiato' esteja findado, e muito depois que a bíblia esteja finalmente reduzida à caricatura do terror que é, pelo entendimento...

Mas refletia 'com Russell', está manhã, sobre a natureza humana... Nos caraterizamos como espécie, pela complexidade no pensar e no sentir, pela possibilidade de abstrair a partir de emoções puras para conformar o prazer, e exprimi-lo... Ousei refletir ainda, que a capacidade de compartilhar tais emoções é 'demasiado humana', convidando a opinião de Nietzsche... Com Wittgenstein, me aventuro ainda mais, e conjecturo sobre a importância de nossas 'linguagens' - fala, escrita, música, poesia, televisão, cinema, rádio, dança, pintura, moda - neste compartilhar, e os signos da semiótica estariam assim dispostos sobre a farta mesa de meu dejejum... E se é válido pensar que o prazer, a emoção pura, e a nossa igualmente complexa capacidade de comunicação são características demasiadamente humanas, é fácil pensar então que negá-las ou reduzi-las terminará por encolher nossa humanidade...

De forma que, meus convidados e eu, 'discorremos' por um par de horas sobre as tradições ditas espirituais ou religiosas, e seus respectivos mestres, que teimaram em sugerir a 'iluminação' ou 'salvação' através da renúncia ao prazer, da renúncia às emoções puras, e sobretudo da renúncia no 'compartilhar'... Posto que todos eles - Siddhartha, Cristo, Maomé -, nas tradições mais arraigadas em nossos dias, propuseram um caminho de isolamento e privação do contato e convívio humano... Uns isolaram-se em si, outros isolaram-se de todos, abandonando famílias, entes queridos, e o convívio social tão necessário, sob o pretexto contraditório do seu desenvolvimento pessoal... Somos humanos, e devemos nos desenvolver como humanos... Renunciar ao que nos torna humanos, é como renunciar à nossa humanidade... Uma forma de eutanásia...

Em um vilarejo no Sri Lanka, em uma das inúmeras 'subtradições' dentro do budismo, e todos os anos, são encenadas algumas peças teatrais - linguagem humana -, ilustrando o desapego da natureza humana como caminho para a iluminação - e que teria sido proposto pelo próprio Buda, que por sua vez nada escreveu... E ainda que seja paradoxal utilizar algo tão humano como o teatro, para pregar algo tão desumano quanto a 'negação de sua natureza', o problema se agrava quando analisamos os argumentos de tal representação teatral... Um pai, sai em busca da iluminação, e para isso deixa dois filhos com um homem que irá escravizá-los e vendê-los... Não entendo que espécie de iluminação pode se sobrepor ao amor e ao zelo, humano, por seus filhos... Cristo repete seguidas vezes, 'felizes daqueles que abandonarem tudo para servir a deus'... Isso inclui, textualmente, família, esposa, filhos, e amigos... E mais, o próprio deus ordena o sacrifício humano e de entes queridos, como prova de devoção e caminho para a salvação... Em um episódio que particularmente me embrulha o estômago, Moisés, um importante profeta judaico-cristão-islâmico, ordena, a mando de deus, que todos os homens de sua tribo matem o seu irmão dileto, ou o seu melhor amigo, como prova de sua devoção a deus... E neste dia, de forma lacônica, a bíblia declara: "três mil haviam morto"... Que espécie de caminho para a iluminação busca na escuridão destes exemplos, uma forma de vida superior à simples, porém indelével, condição humana?

Vivemos repletos de nossa humanidade, em nossos corpos, em nossas abstrações conceituais, em nossas relações como o mundo exterior... Não existem bons motivos para contrariar a nossa natureza, e todas aqueles - como Russell - que entenderam este particular, viveram vidas plenas, e efetivamente 'conquistaram a tão relativizada felicidade'... O prazer é uma invenção humana, decorrente de nossa capacidade sem igual de vivenciar e compartilhar emoções maravilhosamente complexas... E buscamos em nossos companheiros e companheiras, não o pênis ou a absolvição das doentias frustrações freudiana, mas sim o testemunho de nossas vidas... Buscamos em nossas relações e obras, o testemunho de nossa existência, ou do 'hiato de nossa inexistência', como gosto de poetizar...

E busquei aqui, compartilhar o meu entendimento, em meio ao que julgo ser, um mar de contradições e desentendimento... Antes de qualquer curso avançado, em qualquer área, e talvez no início do ensino médio, deveríamos ensinar nossos pequenos humanos a pensar... Uma boa dose de conceitos éticos, lógicos, racionais, de retórica, e advertências contra falácias, poderia resultar em mais respeito à nossa exuberante humanidade, e realmente contribuir para a 'iluminação'...

Aceitam mais um café?

Então FIAT LUX...

Carlos Sherman 


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