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segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Uma voz solitária... A voz da razão...


Crítica às pseudo-psicoterapias!

Boa tarde, Internauta!


Hoje participei de um evento na Universidade onde debati brevemente com um profissional da psicologia que, quando questionado por mim quanto à existência de evidências que atestassem a eficácia de uma dada abordagem terapêutica, justificou que não há como testar experimentalmente a linha terapêutica que ele defendia, por ela ser muito “holística” e “subjetiva”. Em virtude disso, estou divulgando mais uma vez um texto que escrevi no início do ano, onde exprimo minha crítica veemente contra qualquer tipo de linha psicoterápica que não possua embasamento científico. Este texto foi publicado originalmente em meu outro blog “Psique & Pseudo” que, temporariamente, se encontra inoperante. Leia meu texto, na íntegra, logo abaixo!

Tenham um dia PLENO!



A Crise das "Psicoterapias" e a briga entre os Conselhos Federais
Por Thales Vianna Coutinho

     No dia 08 de Fevereiro de 2012, logo após a aprovação do Projeto de Lei 7703/2006 conhecido como “Ato Médico” pela “Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado”, o atual presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM) Roberto d’Avila deu uma entrevista onde lançou a seguinte frase, quando lhe foi perguntado com relação ao papel do psicólogo no tratamento dos pacientes com transtornos mentais: “Como tratarão neuroses, esquizofrenia? Só com papo e conversa? De jeito nenhum. Essas doenças são causadas por deficiências bioquímicas, e os pacientes precisam de medicamentos”. Quase que imediatamente essa colocação ganhou a internet – principalmente os sites que abordam as questões relacionadas ao comportamento – e a partir de então vem recebendo dezenas de críticas. No dia 23 de Fevereiro, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) publicou em seu website oficial uma “Nota de Repúdio” à colocação de d’Avila, que finalizou com: “A Psicologia repudia essa fala pois tem certeza que não só os psicólogos, mas os próprios médicos não concordam com uma posição retrógrada e limitada como esta”.
     Eu sou psicólogo, e procuro sempre participar de discussões e debates – seja pessoalmente, seja mediado pelo computador – e nessas discussões pude perceber que foram muitas as críticas ofensivas ao presidente do CFM; porém muitos poucos profissionais tentaram compreender o subtexto da colocação dele. Para além de julgar se ele está certo ou errado é necessário – e urgente – buscar compreender a razão pela qual um Presidente de um Conselho Federal de Medicina, nutre essa visão com relação aos profissionais da psicologia. Atacá-lo com “paus e pedras” não vai “exorcizar” essa crença disfuncional com relação à função da psicoterapia. É preciso entender o argumento dele, e tentar desconstruí-lo com base em evidências, para assim conscientizar a população em geral (acadêmica ou não) de que a psicologia clínica não é “só papo e conversa”. Mas é quando chegamos nesse ponto que nos deparamos com um grande problema!
     No início dos anos 1990, o Dr. David Sackett da McMaster University (Canadá) fundou um movimento conhecido como “Medicina Baseada em Evidências” e coordenou uma equipe de pesquisadores responsáveis por varrer a literatura médica e descartar práticas que não estejam baseadas em evidências científicas, ou seja, que não derivavam de estudos com métodos controlados que produziram conclusões estatisticamente significativas capazes de embasá-las. Com isso, ele invalidou muitas das práticas médicas consideradas “eficazes”, mas que na realidade possuiam um efeito igual – ou pior – que o mero acaso. Aos poucos, esse paradigma de “ciência baseada em evidência” começou a se manifestar em outras áreas do conhecimento, não só da saúde, mas também administração, direito, educação, etc. Em meados dos anos 2000, essa visão chegou à psicologia (tanto clínica, quanto educacional, organizacional, jurídica, etc). A partir de então, várias foram as publicações na área e, uma das questões mais visadas até hoje se refere a estudar a eficácia da psicoterapia.
     Para esses estudos, geralmente – mas não sempre – se analisam as duas modalidades mais utilizadas: a “Terapia Cognitivo-Comportamenal” e a “Terapia Psicodinâmica”, e geralmente se opta por um método relativamente simples de pesquisa, que consiste em avaliar o paciente antes e após o tratamento, para verificar se ele teve êxito. Por exemplo, uma população de pacientes com diagnóstico de Depressão Maior. Suponha que essa população tenha um total de 200 indivíduos. Todos eles são avaliados antes do tratamento, utilizando o mesmo questionário padronizado, para evitar ao máximo qualquer diferenciação. Na sequência, metade deles (100 indivíduos) iniciam a Terapia Cognitivo-Comportamenal e a outra metade inicia a Terapia Psicodinâmica. Todos os profissionais envolvidos sabem que o foco da terapia é a depressão. Depois de um dado número de sessões, todas essas pessoas são novamente avaliadas (através do mesmo questionário aplicado no início) e então se faz um cálculo simples: [Resultado Final – Resultado Inicial]. Se o resultado é positivo, isso significa que a psicoterapia a qual ele foi submetido pode ter tido algum efeito. Então, chega o momento de realizar outros testes estatísticos para poder considerar se aquele resultado positivo se deve mesmo à terapia, ou é fruto do acaso. Por fim, comparam-se esses resultados e gera-se uma conclusão, que depois será publicada numa revista científica, criticada pelos seus pares e replicada em outros lugares do mundo com o objetivo de constatar se o resultado procede ou não.
     Mas afinal, depois de todo esse processo, o que se descobriu sobre a psicoterapia? Existem dezenas de evidências demonstrando que a “Terapia Cognitivo-Comportamenal” é muito eficaz para uma série de transtornos mentais (depressão, fobia social, transtorno de estresse pós-traumático, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, anorexia, esquizofrenia, etc), seja em combinação com medicação, seja sem medicação. A Terapia Psicodinâmica apresenta algumas evidências, mas ainda são muito poucas e há inclusive trabalhos mostrando que ela não é eficaz. E quanto às outras abordagens? A resposta é “não apresentam nada”, ou “quase nada” (um ou outro artigo isolado, sem replicação nenhuma).
     Evidentemente que nenhuma ciência é perfeita. É possível que daqui a algum tempo surja uma nova modalidade terapêutica que apresente evidências significativamente fortes para desbancar a Terapia Cognitivo-Comportamenal! Nesse caso, os verdadeiros psicólogos terão que abrir mão de tudo o que pensavam saber sobre a dinâmica clínica do paciente, e começar a se dedicar a essa nova abordagem. Toda ciência funciona assim, e a psicologia não poderia ser diferente. Como já dizia Thomas Kuhn, o conhecimento científico evolui quando um paradigma vigente entra em crise e é substituído por outro, que se mantém superior até que outro paradigma ainda melhor o substitua, e assim sucessivamente ad infinitum. Claro, nem sempre esse processo de substituição é simples. Às vezes é tão complicado e doloroso como um “parto seco”, mas, nesse caso, já está mais do que na hora da criança nascer!
     A triste verdade é que uma grande porcentagem de psicólogos(as) no Brasil não está acostumada a raciocinar com base em evidências. Muitos defendem sua atuação (seja na clínica, na escola, na empresa, etc) sustentando-se “no que alguém disse que deve ser feito”, e esse “alguém” geralmente é um sujeito que viveu na primeira metade do século passado e não realizou (seja por falta de interesse, seja por falta de recursos tecnológicos) nenhum estudo controlado para fundamentar sua teoria. E devido a essa cultura quase que religiosa (em que não se preocupa em provar nada, apenas se segue as palavras de um ou mais “profetas”), os profissionais que aderem a essas teorias continuam errando ao não testar empiricamente sua abordagem, e reproduzindo uma prática não científica. O detalhe é que a psicologia é uma ciência, e esses profissionais pseudocientíficos não abrem mão do título de “psicólogo(a)”. Além disso, é bem provável que aqui jaza a razão para a fala do presidente do CFM que gerou tanto reboliço. Afinal, até que se prove o contrário, muitas abordagens de psicologia clínica (nem todas, é claro) são sim um “bate papo”, onde o profissional está teoricamente confuso e o cliente está realmente perdido, e ludibriado, pois acreditou ter confiado seus conflitos às mãos de um profissional cientificamente respaldado.

Referências:

O famoso ato médico - Projeto de Lei 7703/2006. Disponível em: http://direitodomedico.blogspot.com/2008/03/o-famoso-ato-mdico-projeto-de-lei.html
Atuação de profissionais da saúde é ampliada em votação no Senado. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,atuacao-de-profissionais-da-saude-e-ampliada-em-votacao-no-senado,833205,0.htm
Nota de Repúdio à fala do Presidente do CFM. Disponível em: http://www.pol.org.br/pol/cms/pol/noticias/noticia_120223_001.html
LEAHY, R. Cognitive-Behavioral Therapy: Proven Effectiveness. Disponivel em: http://www.psychologytoday.com/blog/anxiety-files/201111/cognitive-behavioral-therapy-proven-effectiveness
TOLIN, D.F. Is cognitive-behavioral therapy more effective than other therapies? meta-analytic review. Clinical Psychology Review, 2010.

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