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quinta-feira, 5 de junho de 2014

Reviravolta no caso Cage...

A culpa é da infecção? Uma nova versão sobre o caso Phineas Gage

Recentemente, alguns pesquisadores reviraram um dos casos neuropsicológicos mais famosos da história da neurociência – o caso Phineas Gage – e trouxeram novas informações que contradizem a versão mais bem difundida nos últimos 100 anos. Devido a um acidente de trabalho, Gage teve uma perfuração na cabeça por uma barra de ferro, a qual lesionou seu lobo frontal. Posteriormente ao acidente, Gage passou a apresentar mudanças dramáticas no comportamento que refletem sintomas clássicos da síndrome disexecutiva, que ocorre devido a danos às estruturas do lobo frontal. De um homem dedicado e trabalhador, Gage se tornou irresponsável, desrespeitoso, impulsivo e “sociopático”, ou como se comumente se relata “Gage não era mais Gage”. Não conseguia se estabilizar em um emprego ou se relacionar moralmente bem com grande parte das pessoas. Normalmente, quando se lê sobre esse caso ou quando ele é trabalhado nas aulas de psicologia e neurociências, a versão tradicional aponta as mudanças do comportamento de Gage devido à lesão causada diretamente pela barra de ferro no lobo frontal.
Contudo, pesquisadores apontaram recentemente que essa versão é mal contada, ou melhor, fabricada. Através da análise minuciosa de documentos históricos e das modernas técnicas computadorizadas, dois fatos surpreendentes foram constatados: (1) Logo após o acidente e após o atendimento médico, Gage não mudou seu comportamento. Esteve consciente e lembrava-se do acidente. Não apresentou nenhum sintoma de qualquer lesão ao lobo frontal; (2) Em 2004, uma pesquisa da equipe liderada pelo neurocientista Peter Ratiu, até então professor de neuroanatomia em Harvard, concluiu que a barra de ferro não poderia ter atravessado a linha média do cérebro e ter danificado o hemisfério direito do Gage, o que contraria a comum versão de que houve uma lesão bilateral dos lobos frontais. Em 2012, o especialista em neuroimagem Jack Van Horn conduziu outro estudo sobre o crânio de Gage. No geral, o trabalho dele corroborou as conclusões de Ratiu: a barra, argumenta ele, não cruzou para o hemisfério direito.
Então como esclarecer ou pelo menos indicar o desenvolvimento posterior dos déficits cognitivos e comportamentais de Gage? De fato, houve destruição de tecido cerebral, o que é inquestionável por todos os estudiosos. Mas há algo que a longo prazo ajudou ou causou fortemente os referidos déficits e que representa a grande indicação adotada atualmente pelos cientistas que contestam as versões tradicionais do caso: a ocorrência de uma infecção fúngica grave ao longo de dias e semanas após a lesão, segundo os registros do médico que cuidou de Gage. O dano final, bilateral e espalhado na região frontal foi causada pela infecção, e não pela barra de ferro em si, a qual afetou somente uma área do hemisfério esquerdo. Gage se comportava tipicamente por dias até o aparecimento da infecção, que por sua vez causou os danos bilaterais extensivos iniciados pela lesão unilateral da barra de ferro. Por isso diz-se que a síndrome do lobo frontal não seria possível com apenas a lesão de um hemisfério, ou seja, a lesão da barra de ferro não foi a causa primária do fato de que “Gage não era mais Gage”, versão que tradicionalmente se reproduz na literatura.
Essas discussões e reviravoltas de casos históricos na psicologia e nas neurociências remetem a uma reflexão crítica indispensável hoje: pensar na dinâmica e na complexidade da integração das redes e conexões neurais. Não há garantia de que uma lesão cerebral localizada por si só, especialmente se for unilateral, cause um espectro determinado de déficits cognitivos e comportamentais. Seria necessário, portanto, não atingir áreas, mas redes e conexões. Essa é a lição que o caso de Phineas Gage pode nos ensinar a cerca do funcionamento dinâmico do cérebro.


Um modelo de computador do crânio Gage mostrando uma reconstrução da trajetória mais provável tomada pela barra de ferro (cinza).
A rendering of the Gage skull with the best fit rod trajectory a


Para saber mais:

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